O espetáculo que nasce em dois minutos ou dois gols.

-Por todos nós-

28/02/2010

A NOVA ORDEM DO FUTEBOL

A burocracia sai dos bastidores e entra em campo

Na reta final do campeonato brasileiro sentíamos uma espécie de déjà vu. Parecia impossível há alguns meses, mas havia se tornado realidade, ainda que desacreditada. Faltando cinco rodadas para o fim da competição, o São Paulo Futebol Clube tomou a liderança do líder Palmeiras, após dezenove rodadas em seu domínio. Dependendo somente de seus resultados, o tricolor poderia se tornar o único clube a conquistar quatro títulos nacionais consecutivos.

Apesar do fracasso nas rodadas decisivas, ficou claro, com exceção do Flamengo, a relação entre os resultados dos clubes mais bem colocados e a eficiência do trabalho estruturado e profissional, tal qual o Cruzeiro, Internacional e sobretudo, o São Paulo Futebol Clube.

Criado pelas elites paulistanas na década de 1930, o clube tornou-se hoje mais do que nunca o modelo de administração competente do futebol. Com o maior estádio particular do Brasil, a segunda maior torcida do Estado de São Paulo e um pioneiro investimento em marketing, o SPFC tornou-se um paradigma do futebol moderno.

O tricolor paulista revestiu-se de uma imagem austera e íntegra do futebol. Ele tenta se blindar das polêmicas de arbitragem e expõe a imagem de um clube financeiramente forte, cuja realidade configura-se um caso à parte no corrupto, incompetente e desorganizado futebol brasileiro.

O nome do SPFC passou a ser escrito no noticiário esportivo ao lado de "planejamento", "organização", "lucros" e "vitórias". Comumente é dito que as conseqüências mais concretas desta condição do clube do Morumbi são os diversos títulos expressivos e o crescimento de sua torcida.

Enfim, esse é o modelo de futebol que admiramos.

Admiramos?

O SPFC tornou-se um modelo de administração do futebol. Entretanto não se traduz como um modelo de futebol nas quatro linhas. Nem mesmo a eficiência garante a unanimidade, e o Brasil assistiu a hegemonia de um time de futebol pragmático, não performático.

Para a história, não há relação direta entre quantidade de títulos e torcedores. O torcedor se empolga com a competitividade, e sobretudo se encanta com a arte dos seus melhores jogadores. O SPFC tem sido um clube que se destaca pelo elenco forte e equilibrado, com responsabilidades divididas. O brilho individual é quase ausente, com exceção da figura do goleiro cobrador de faltas que é tão decisivo quanto outros goleiros de grandes clubes devem ser. Portanto, o torcedor do SPFC tem um perfil diferente, pois está relacionado afetivamente ao clube por intermédio de outros códigos e símbolos.

A meu ver, este modelo de futebol do SPFC, bem como sua nova torcida, somente existe enquanto contingência de uma dimensão maior. O modelo de futebol dos últimos 20 anos no Brasil corresponde ao processo de transformação administrativa que passou o tricolor do Morumbi. E esta concepção de administração do futebol é resultado do seu próprio tempo.

Isso porque, o Estado brasileiro se apropriou de conceitos de administração privada para a administração pública. Termos como "gestão" e "gerência" foram difundidos na máquina pública, e se firmaram com a garantia de resultados positivos ao país. Assim se fez. Assim, o Estado "neoliberal" sufocou a inflação e fortaleceu as classes médias, e as privatizações passaram a ser compreendidas como a forma de tornar a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. A nova ordem político-econômica do fim do século XX tornou-se paradigma da elite política e da imprensa brasileira

Ao mesmo tempo, o SPFC assimilou uma tendência empresarial do futebol. Os mesmos adjetivos são encontrados na ao tratar tanto do modelo ideal de administração pública e quanto do da administração do futebol.


O SPFC tornou-se o signo deste modelo ideal de futebol, e não coincidentemente, prosperou por estes termos. A torcida do SPFC se popularizou e, apesar de relacionarmos esta realidade à conquista de títulos mais recentes, este processo é ainda mais amplo.


Torcer pelo SPFC passou a ser conveniente.


Torcer pelo SPFC é adquirir um poderoso capital simbólico que integra o torcedor a um grupo absolutamente vitorioso.


Ao falar dos imigrantes e emigrantes que chegaram a cidade de São Paulo no começo do século passado, escreveu um dos grandes historiadores do século XX, Nicolau Sevcenko, "na busca de novos traços de identidade e solidariedade coletiva, de novas bases emocionais de coesão que substituíssem as comunidades e os laços de parentesco que cada um deixou ao emigrar, essas pessoas se vêem atraídas, dragadas para a paixão futebolística que irmana estranhos, os faz comungar idéias, objetivos e sonhos, consolida gigantescas famílias vestindo as mesmas cores".


O futebol tem este poder de agregar indivíduos que busquem uma identidade própria. Com o SPFC não tem sido diferente, a não ser pela sua especificidade deste momento. Torcer para o SPFC é garantir a manutenção de um status quo das elites, ao mesmo tempo em que também é um meio de ascensão social.

Compreender o futebol é uma tarefa pouco apoiada, já que mais sentimos do que pensamos o futebol. Não tenho a pretensão de concluir que há uma atmosfera mental na sociedade brasileira que permita consolidar tais modelos.

Hoje jogam na Vila Belmiro Santos X Corinthians. Ambos progressivamente integram esta nova lógica de administração de futebol. Esta nova ordem do futebol. No entanto, para estes, a burocracia não invadiu as quatro linhas, e este clássico certamente consolidará, de um lado, a jovialidade e espontaneidade da nova geração de craques do Santos e, de outro, a raça e paixão dos soldados de Mano Menezes inspirados por um fenômeno.

Por outro lado, é inegável que a forma de se fazer futebol mudou, e o envolvimento das pessoas com seus clubes tem se atrelado cada vez mais aos discursos ideológicos perpetuados pelos veículos de comunicação, em detrimento dos ritos mais tradicionais entre as famílias.

Também não pretendo terminar meu texto como um nostálgico romântico do futebol que se recusa aceitar a nova realidade do jogo. Procuro me esforçar ao máximo a entender o futebol que vivemos, tanto em sua excelência saopaulina quanto em sua incompetência dos diversos grandes rebaixados.

Imagino que se a nossa política está tão afinada com o nosso futebol, se quisermos subverter e contestar a política de nosso país talvez devamos começar subvertendo a nova ordem do futebol.

26/02/2010

Passos largos no silêncio inescrupuloso


O futebol e a sua imprensa, a imprensa e o seu futebol

Todos sabemos que o Futebol das últimas décadas tornou-se um negócio daqueles.

Até mesmo as 10 frágeis equipes da primeira divisão suíça conseguem juntas faturar quase 130 milhões de euros.

Essa é uma realidade da qual mesmo os mais apaixonados pelo esporte não podem desprezar.
No entanto, este texto não traz saudosismos e romantismos da bola.

Aqui tenho uma motivação, uma indagação e uma expectativa.

A motivação. Descobri tardiamente que o Diário de S.Paulo foi comprado. Veículo de com quase 400 funcionários e o quinto jornal mais vendido na capital. Em franca expansão, o grupo Traffic de J. Hawilla é o responsável pela aquisição. Agora, o Diário deve se integrar à rede Bom Dia que permeia o grande ABCD e algumas cidades do interior como Bauru, Jundiaí e Sorocaba.

A indagação. “A ligação com o merchandising fere o que um jornalista tem de mais precioso, sua independência e credibilidade”. Este é um fragmento do novo livro de Celso Unzelte,"Jornalismo Esportivo. Relatos de uma paixão”, citado por Juca Kfouri em seu Blog (http://blogdojuca.blog.uol.com.br/). Apesar desta afirmativa se referir diretamente aos programas de TV e rádio que exploram publicidade, não vejo como não relacionar esta crítica ao fato mencionado acima.

Como um canal de imprensa noticia um indivíduo, empresa ou instituição que tem negócios com o dono do próprio veículo? Como o novo Diário de São Paulo vai acusar a agressividade do futebol de Diego Souza, atleta cujos direitos econômicos estão nas mãos do proprietário do jornal? Quem deverá ser escolhido o melhor do campeonato? Quem deve ser convocado? Como não pensar que os interesses na promoção e valorização de atletas estarão atrelados às notícias? Este é o dilema infindável do jornalismo.

A expectativa. A complexa relação entre o dono do jornal e a notícia que ele permite publicar obviamente extrapola este nicho da imprensa abordado. Seja ele lúdico ou pernicioso, o significado dado à notícia é contaminado pelos interesses e a visão de mundo de quem escreve e de quem é responsável pelo órgão de imprensa. O texto é inerente ao seu criador. Falar da ilusão da objetividade e neutralidade tornou-se conversa vulgar pra quem é um maduro jornalista. O conceito a ser usado agora é ética.

No entanto, ao falar da Traffic lembramos de uma empresa que está envolvida com as filiadas da maior rede televisiva do Brasil; com os direitos de transmissão da maior competição internacional de clubes da América; e com atletas e o clube finalista desta última competição transmitida pela mesma grande rede televisiva.

Não sei quais os limites desta ética, mas espero sinceramente que não chegue perto do que está acontecendo com o jornalismo esportivo brasileiro.

25/02/2010

Porque Avesso


Sempre me perguntei quanto tempo mais eu levaria pra criar minha própria página virtual. Não tenho a pretensão de dizer que cansei da mesmice e que vou, enfim, produzir algo de qualidade.

Não é o caso.

Há de fato muita reprodução. Por outro lado, o conteúdo não é menos importante. Apesar do desgaste da repetição, o óbvio toma forma e se torna fundamental para encontrarmos o diferente.

Parece uma observação simples, e certamente é.

No entanto, entender que a só podemos indagar o invisível a partir do que vemos com clareza traz uma noção ética importante diante a diversidade.

Diversos especialistas, sejam eles blogueiros, jornalistas ou comentaristas, são capazes de sintetizar com muita competência a superfície do jogo, mas poucos buscam olhá-la do avesso.

Quando ali ver paixão, revirá-la. Com frieza, na medida do possível.

Quando ali ver negócios, extirpá-lo. Discutindo e contendo nostalgias.

Quando ali ver arte. Sorrir. Mas sempre vigiando, com a migalha dos olhos, como dizem na minha terra.

Lembrar com o futebol.

Questionar os discursos.

Pensar o futebol.

De outro jeito.

Do avesso.